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Corações Aquecidos | Parte X

Carmen T. Abe

(Continuação da edição nº 14 abril/00)

Em 1938, ano que antecedeu ao do início da Segunda Guerra Mundial, as linguas dos países que formavam o Eixo (Itália. Alemanha e Japão) foram proibidas no País. Livros e documentos escritos em japonês eram confiscados.

José Emerenciano colocou-se ao lado de seus irmãos japoneses, considerados “feios, perigosos, espiões, inimigos da Pátria”, arriscando a sua vida e a da família. Suas idas às prisões e delegacias no comando. de polícia para interceder pelos “amarelos” tornaram-se uma constante.

Na pensão do sr. Ishida ninguém pagava pela comida e nem pela pousada. Viver à custa de um japonês e levá-lo à falência era coisa tida como normal. Todos os bens dos “amarelos de olhos rasgados” eram confiscados. Por isso, a pedido de Nishizumi e Ishida, José Emerenciano e a esposa Irene assumiram a direção da pensão e com isso compraram uma perigosa briga. Os dois foram acusados de traição, ameaçados de morte e a pensão foi invadida pela Polícia Secreta.

O casal decidiu então aceitar um novo desafio: sair de São Paulo e iniciar um trabalho da Igreja Presbiteriana no bairro Frigorífico, em Barretos.

Aguardando o trem na estação da Luz, José e Irene não carregavam nenhuma bagagem. Partiriam para o nada, sem nada. Não levavam nem sequer um lanche, apenas a decisão de, quando a guerra acabasse, voltar para São Paulo e cumprir uma promessa feita a Nishizumi: iniciar a implantação de uma Igreja Metodista Livre Brasileira.

Já no trem, o casal via a longa plataforma da estação começar a ficar lentamente para trás, quando dona Irene deu um grito: “José, olhe la!” Ambos viram um pequeno vulto na extremidade da plataforma correndo e gritando a plenos pulmões. Era o amigo Nishizumi! Franzino, óculos salientes, ele acenava, tentando alcançar o vagão. Quando conseguiu, por alguns segundos os olhares dos três se cruzaram, marejados, e Nishizumi atirou pela janela um pacote. Era um lanche reforçado para dois. Junto, um envelope com dinheiro: 500 contos de réis! Parecia impossível! Como ele teria conseguido tudo aquilo? Só podia ser um milagre, um sinal de que Deus estava no comando.

No dia 15/08/45, após o terrível holocausto atômico, o imperador japonês anunciou a capitulação. No Brasil, porém, grupos fanáticos conhecidos como Shindô Renmei, que afirmavam a invencibilidade nipônica, começaram a aterrorizar a colônia japonesa.

Emerenciano e Nishizumi exercitam mais uma vez a paciência e a prudência à espera de um tempo oportuno.

Quando, finalmente, esse tempo chegou e Nishizumi apareceu em Barretos levando o pedido oficial para que a família Emerenciano assumisse o esperado desafio de iniciar o trabalho da Igreja Metodista Livre Brasileira, a igreja do bairro Frigorífico já estava consolidada (até hoje ela continua anunciando o Evangelho).

Mas, desta vez os Emerenciano não estariam sós. Em seu retorno a São Paulo puderam contar não só com Nishizumi, mas também com sua equipe de jovens nisseis: João Mizuki, Yoshio Kimura, Pedro Yasuda, Keizo Hamada, Hiroshi e Ayame Suzuki, Hideo Haibara e Akira Nakano, além de outros como Jesuína Martins e Adélia Pires, os missionários Harold Ryckman, Helen Voller, e Lucile Damon. Contavam, ainda, com as orações e o apoio incondicional de uma das colunas da igreja japonesa, o pr. Hiroyuki Hayashi. A subsis- tência seria garantida pela missão americana.

O inesperado falecimento de Nishizumi (26/06/46) foi um golpe doloroso. mas não apagou a chama do Espírito Santo, que aquecia corações, mobilizando a equipe como um só corpo. Nos fins de semana a casa dos Emerenciano transformava-se em igreja e fervilhava de jovens, adolescentes e crianças.

Em 1948, o missionário Ryckman concluiu a construção da primeira Igreja Metodista Livre de fala portuguesa: um conjunto de salão de culto, prédio escolar e casa da missão. Americanos, japoneses e brasileiros uniram-se em oração, ofertas e colaboração. Foi nessa época que um jovem estudante prometeu solenemente: “Pastor José, eu vou construir a sua casa própria”. E assim foi. Cada amigo, cada filho espiritual do casal Emerenciano contribuiu com o que podia, desde a mão-de-obra, portas, janelas, vidros, azulejos, tomadas, tijolos e cimento. Dona Irene andava quilômetros a pé para economizar os 20 centavos do ônibus e contribuir com um punhado de cimento; a filha Cleide e o genro Luís Roberto também se empenharam com valentia. O sonho do menino Yoshio virou projeto e realização para alegrar os dias de velhice do pastor José Eme- renciano, que partiu para a sua mansão eterna aos 96 anos de idade (15/06/98). Dona Irene cita emocionada o verso que José repetia sempre: “…entristecidos, mas sempre alegres; pobres, mas enri- quecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo”. (II Coríntios 6:10)

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