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Corações Aquecidos | Parte VIII (02)

Carmen T. Abe

(A primeira parte deste relato sobre a vida do pioneiro Sho Koh Mita foi publicada na edição n° 10, de agosto/99)

Como primeiro coreano a pisar em terras brasileiras, Sho Koh tornou-se referência para os sucessivos imigrantes patricios. Ano após ano foi ao porto de Santos aguardar a chegada de coreanos para servir-lhes de guia e conselheiro. Assim ajudou milhares deles a se fixarem na nova pátria. Foi fiador e avalista de mais de 300 patricios. Tornaram-se constantes as visitas de oficiais de justiça e as ordens judiciais para confiscar os parcos bens da família: armários, mesa, cadeiras e até panelas.

Quando surgiu a Cooperativa Sul-Brasil, estabelecendo-se próximo ao Mercado Municipal de São Paulo, os primeiros funcionários contratados foram os amigos cristãos do fundador Nakazawa. Entre eles estavam os casais Mita, Nishizumi, Konishi, Makino, Iwassaki e outros.

Shoh Koh, no entanto, precisava de um serviço extra para manter-se. Passou, então, a trabalhar como “catador de tábuas nas proximidades do Mercado Municipal. Com o que conseguia recolher, remontava os caixotes de embalar frutas e legumes e os vendia aos produtores.

Certa vez, em suas andanças pelos becos da região do Mercado, viu um mendigo japonês procurando alimento nos latões de lixo. Levou-o para casa e, com ajuda de Yuri, deu-lhe um banho, roupa limpa e alimento, e o hospedou até ele ficar em condições de se reintegrar á sociedade. Fez isso por duas vezes. Um dos mendigos socorridos, o jovem Kanó, póde regressar ao Japão para junto do pai médico.

Em 1972, o casal Mita foi à Coréia para ser homenageado pelo governo daquele país, pelos favores prestados aos seus cidadãos emigrantes. De lá, estenderam a viagem até o Japão. Ao desembarcarem no aeroporto, Shoh Koh e Yuri receberam uma outra e inesperada homenagem: foram saudados com uma grande faixa de boas- vindas e de gratidão. A homenagem era da família Kanô. O jovem ex-mendigo havia se casado e toda sua família havia se convertido a Cristo.

O derrame cerebral que acometeu Shoh Koh em 1994, não conseguiu derrubá-lo. Deus passou a usá-lo no ministério de intercessão. Pastores e missionários coreanos, japoneses e brasileiros passaram a procurá-lo, pedindo-lhe que orasse por eles. Quando, em fevereiro de 96, o pastor Kiyohiko Amakawa, nosso primeiro missionário entre os dekasseguis, ia embarcar rumo ao Japão, Shoh Koh estava no aeroporto na sua cadeira de rodas, em companhia da sua filha, a missionária da APEC Júlia Satie. Ele impós suas mãos sobre o missionário e orou. O impacto daquele momento ainda perdura no coração de Amakawa.

Hoje Shoh Koh é uma figura lendária entre os coreanos, que o chamam de Mita Hara Budi, o “Avô da Colônia Coreana”. Entre os japoneses ele é o Mita-san, o pioneiro leigo que ajudou a fundar a Igreja Metodista Livre no Brasil. Aos 93 anos, alimentando-se por meio de uma sonda, Mita-san conserva ainda o seu coração aquecido.

Nas três entrevistas realizadas em diferentes épocas, entre janeiro de 86 e novembro de 94, foi-lhe feita a mesma pergunta: “Qual foi o momento mais feliz da sua vida?” A resposta foi invariável:

“Os momentos mais felizes da minha vida foram aqueles em que, após a nossa leitura bíblica diária, oramos de mãos dadas, eu e Yuri, pelos nossos filhos. netos, irmãos e amigos.”

Chorou muito ao perder a sua amada Yuri em novembro de 94. Superou a dor. e adotou o seu quinto lema: “Viverei total, completa e intensamente a vida que Deus me deu”.

Cita como seu verso bíblico predileto, em Provérbios 14:26:

“No temor do Senhor tem o homem forte amparo, e isso é refúgio para os seus filhos.”

Cultiva em algumas latinhas, mudas de macieira. Seu sonho é, um dia, ter uma plantação em terras catarinenses e viver presenteando crianças e amigos com lindas maçãs. Se o sonho não se realizar aqui, quem sabe Deus o coloque em glória no meio de um campo infinito de macieiras, cercado por todos aqueles amigos que ele ajudou a salvar.

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