Carmen T. Abe
Coréia (Koryo), o país chamado “Alto e Belo” (Työssen/Choson), a “Terra da Manhã Serena” sofreu sucessivas invasões de vândalos mongóis, chineses e japoneses ao longo de sua história. Quando Chang Soon Ho veio à luz na pequena província de Eidôgun, a 23 de março de 1907, o país estava em ruínas. O confronto russo-japonês deixara marcas tais de violência e atrocidade, que ainda hoje elas latejam doloridas no povo da “Terra da Manhã Serena”.
Chang Soon Ho tinha três anos de idade, quando seu país foi anexado ao Japão como protetorado. A cultura e a tradição coreana foram menosprezadas. A lingua oficial obrigatória passou a ser a japonesa, e ao confucionismo e budismo acrescentou-se o xintoísmo nípônico. O cristianismo dos brancos era execrado.
A miséria era tamanha, que Jhan e Lee, pais de Chang Soon Ho andavam pelas matas à procura de ervas comestíveis para alimentar seus quatro filhos. Trabalhavam todos nos arrozais, cujo produto pertencia ao país conquistador.
Quando completou 10 anos de idade, Soon Ho foi mandado à escola a fim de aprender a lingua oficial japonesa. Certo dia, no caminho de volta para casa foi atraído por uma banda de soldados coreanos. Eram soldados do Exército de Salvação. Seguiu a banda até a praça. Ali, a música parou e o Evangelho foi anunciado. Um estranho e reconfortante calor encheu o coração do pequeno Soon Ho. Desde então, e para todo o sempre, Jesus Cristo iria ser o seu Salvador e Senhor.
Ao ser descoberto seguindo Cristo, a perseguição foi terrível. Foi golpeado muitas vezes com uma corrente de ferro pelo seu irmão mais velho e sua cunhada. Mas, mesmo ferido e sangrando ia à igreja. Para escapar da violência dos parentes, usava a casa de uma prima como esconderijo. Foi nessa época que percebeu a importância de se adotar um lema claro e definido para nortear a sua vida. O seu primeiro lema foi: “Oyaniwa kookoo, ussowa tsukanai” (Honrarei meus pais, jamais mentirei).
Com 11 anos de idade e somente um ano de escolaridade Soon Ho é requisitado pela família para trabalhar em tempo integral no arrozal.
Aos 13 torna-se órfão de pai, e aos 16 parte para o Japão como dekassegui.
Seu primeiro emprego em Osaka foi de vendedor de tofu (queijo de soja). O emprego seguinte foi de ajudante de ofuroya (casa de banho público). Na época, poucas famílias possuíam banheiras próprias e a opção era usar o ofuroya, pagando para tomar banho. Foi onde conheceu um cristão, sr. Hacegawa, que ao saber que Chang Soon Ho era um irmão em Cristo, levou-o para a Igreja Metodista Livre de Tengatiya. O jovem seminarista Daniel Nishizumi, que auxiliava o pastor local Umeda, adotou-o como discipulo, envolvendo-o nos seus trabalhos de visitação e evangelismo. Chang Shoh Koh (pronúncia do seu nome em japonês), habituado a ser discriminado como “dekassegui coreano”. impressionou-se com Nishizumi que o tratava com toda naturalidade, como um igual, irmão e amigo.
Shoh Koh trabalhava no ofuroya de segunda a segunda, das 10 horas da noite às 2 horas da madrugada, sem domingos nem feriados. Até que decidiu adotar um segundo lema: “No dia do Senhor, cultuarei o meu Senhor”. Desde então, durante 71 anos, nunca deixou de participar de um só culto dominical. Tal assiduidade só foi interrompida em fevereiro de 1994, quando, aos 87 anos de idade, Shoh Koh sofreu um derrame cerebral.
Quando Daniel Nishizumi decidiu deixar o Japão em 1928, para acompanhar como missionário, sem nenhuma garantia de sustento, os emigrantes cujo destino era o Brasil, um cristão de 70 anos de idade, sr. Wada, ofereceu-se para acompanhá-lo e dar-lhe o suporte finan-ceiro. Diante dessas atitudes, o terceiro lema, aquele que nortearia sua vida cristã, emergiu nítido no coração intensamente aquecido de Shoh Koh: “Ao Senhor me doarei com liberalidade”. Seis meses depois da chegada de Wada, ele também desembarcava no porto de Santos.
Batizado por Nishizumi e exortado a “construir seu próprio caminho” formando família e estabelecendo-se profissionalmente, decide casar-se. Os amigos deram-lhe um conselho sincero:
“Se você quiser se casar com uma japonesa, nunca diga que é coreano e muito menos que é um cristão.”
Entretanto, ao pedir a mão da bela Yuri Mita, foi direto e franco diante dos futuros sogros:
“Sou coreano e cristão. Gostaria de casar-me com a sua filha.”
Casou-se aos 31 anos de idade e passou a ser conhecido como Sho Koh Mita. Definiu, então, seu quarto lema: “Fidelidade ao Senhor e serviço ao próximo”.
Nos anos seguintes, ele iria provar sua lealdade a esse compromisso – e Yuri estaria a seu lado.
Na próxima edição: Shoh Koh Mita ajuda milhares de coreanos a se estabelecerem no País.