Carmen T. Abe
1921. Já era noite na capital carioca e as lojas haviam cerrado as portas. A viagem fora longa. Seu estômago e seus bolsos estavam vazios. Nas mãos, somente algumas mudas de roupa e a carta de recomendação da Igreja Presbiteriana de Fortaleza. O sangue dos índios brasileiros e navegadores portugueses que corria em suas veias, dava-lhe traços indomitos ao rosto e se revelava também na pele morena. Dons e talentos? Sua memória extraordinária e seu coração apaixonado pelo Evangelho de Cristo. Era também poeta e declamador de toda ocasião. Naquele momento, porém, não lhe surgia à memória nenhum dos seus poemas. Veio-lhe, sim, à mente, a figura de Abrão, solitário, ouvindo a voz poderosa do Senhor: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei”. (Gên. 12:1). Sentiu o seu coração estranhamente aquecido. Procuraria sem pressa o local de destino para, ao raiar do dia, lá estar sem erro. Encontrou o escritório, as luzes ainda acesas. Por incrível providência, aquele irmão em Cristo a quem o jovem José Emerenciano fora recomendado ficara, justamente naquela noite, fazendo serão! José teve acolhida e hospedagem até encontrar um emprego.
Passou a frequentar a Igreja Presbiteriana do bairro do Caju. Ali, recebeu o chamado para o ministério.
De milagre em milagre, a portas lhe foram abertas. Concluiu o curso ginasial, fez o curso normal (na época, destinado ao magistério hoje correspondente ao de 1 à 4″ séries do primeiro grau) e um curso básico de Teologia, no Grambery, em Minas Gerais. Em São Paulo continuou seus estudos no Colégio José Manoel da Conceição. Depois prosseguiu seus estudos teológicos no Recife e, mais tarde, em São Paulo, no Mackenzie. Ali, ouviu um pregador japonês, o bispo Junji Nakada, da Igreja Holiness, falando sobre santificação. José sentiu-se arrebatado. Quis saber mais sobre esta maravilhosa graça e foi falar com o bispo. Resultado: recebeu um inesperado convite para que concluísse sua formação teológica no Japão! José orou e mais uma vez as portas se abriram. A Sociedade de Senhoras da Igreja Presbiteriana Unida, mobilizou-se. Sob a liderança da missionária inglesa Enedina Anderson, as mulheres providenciaram um enxoval completo: roupas, calçados, linha, agulhas e botões, além de ofertas para pequenas despesas. Levou, ainda, 61 cartas de amor, encorajamento e exortação, para serem lidas durante os 61 dias que passaria a bordo do navio. A passagem foi-lhe enviada dos EUA pelo próprio bispo Nakada.
Aportou no Japão sabendo algumas poucas frases em japonês. Professores e colegas se desdobraram no ensino desse idioma para que José pudesse acompanhar as aulas. À noite, enquanto outros dormiam ele ficava estudando, muitas vezes tiritando de frio sob a tênue luz da rua. A energia elétrica era racionada e rigorosamente controlada.
Em 1931, época em que crises econômicas e sócio-políticas prenunciavam o desencadeamento de uma guerra sem precedentes, José voltou a São Paulo com as credenciais do Seminário Teológico da Igreja Holiness. Foi nomeado pastor assistente da Igreja Japonesa de Santos. Serviu a Deus como missionário evangelista entre os japoneses. A maioria deles não entendia e nem falava o português.
Pastor nenhum recebia salário. Vivia-se pela fé, empregado ou desempregado, com saúde ou sem ela. José ganhava seus trocados vendendo apólices de seguro. Eventualmente servia de intérprete para missionários e palestrantes ingleses, americanos e japoneses. Valia-lhe o inglês nordestino que aprendera na infância, enquanto seu pai trabalhava como mestre de construção de alvarengas (embarcações usadas para carga e descarga de navios) para duas companhias de navegação, uma inglesa e outra francesa, ora em Macau (RN), ora em Fortaleza (CE). Valia-lhe não só como meio de subsistência, mas também, e principalmente, no cumprimento da grande comissão de Cristo (Mat. 28:19) entre os diferentes povos no meio dos quais tinha trânsito livre.
Conheceu Daniel Nishizumi em 1935. Tornaram-se grandes amigos, oravam juntos e compartilhavam sonhos. Um desses sonhos era plantar uma igreja de língua portuguesa com auxilio da Missão Americana. Nessa época, Nishizumi e Emerenciano já anteviam a eclosão da guerra, cuja repercussão iria abalar a colônia japonesa.